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Carta aberta dxs tabalhadores de bastidores de eventos do Brasil

Arte/Divulgação.

Ao Congresso Nacional

Às Casas Legislativas de Estados e Municípios de todo Brasil

Aos órgãos do Poder Executivo da UniãoEstados Municípios 

Ao Respeitável Público

Somos as pessoas na correria dos bastidores, atrás das cortinas; em cabines, estúdios, palcos e arenas; nas feiras, convenções e congressos; nos espetáculos e produções artísticas de música, cinema, teatro, circo; nas exposições; nas celebrações, como cultos e ritos religiosos; nas festas, comemorações e comícios; na publicidade; nas empresas e iniciativas corporativas. Nosso trabalho é fundamental para vários setores — na cultura, no turismo, nos esportes, no entretenimento, dentre outros, que se aglutinam na economia criativa.

Somos a soma de várias categorias profissionais que desempenham atividades técnicas e criativas de complexidades diversas e que, em conjunto, concorrem para a realização de qualquer evento, independentemente da natureza e dimensões; do território, da região ou da fonte pagadora. Afinal, os eventos são produzidos por mãos humanas de todas as cores, orientações e identidades — fazemos montagens e construções, limpamos, carregamos equipamentos, desenhamos a luz, afinamos o som ou instrumentos, escalamos, projetamos imagens etc. Somos a graxa, o backstage: trabalhadores camuflados em nome da cena e invisibilizados pela informalidade e pela precarização nas relações de trabalho.

A pandemia da covid-19 trouxe à tona o abandono institucional da nossa categoria, cujos vínculos são, em sua maioria, informais e eventuais. Segundo o IPEA, só no setor cultural há mais de 37% de trabalhadores informais. A necessária determinação do Poder Público de interditar a realização de eventos, seguindo a orientação dos especialistas em saúde, teve um impacto em todos os elos dessa cadeia produtiva, que foi a primeira a parar e a última a começar a retomada das atividades, ainda bem distante do cenário pré-pandemia.

Sem a devida atenção do Estado, milhares de pessoas trabalhadoras passaram a viver em situação de vulnerabilidade, obrigadas a vender equipamentos e instrumentos ou migrar para outras atividades. Ao mesmo tempo, os governos criaram linhas de financiamento e subsídios a empresas, para pagar dívidas e garantir capital de giro, com o questionável argumento de manter empregos, o que não ocorreu. O setor de eventos não foi contemplado e ficou desassistido, com impactos desastrosos para os profissionais e suas famílias. O mesmo IPEA estima que, somente na área cultural, mais de 900 mil trabalhadores ficaram sem trabalho, em função da pandemia.

O abandono institucional, em parte, é causado pela desatualização da lei que regulamenta as profissões de “artistas e técnicos em espetáculos” (lei 6.533/78), uma legislação do século passado. Trata-se de lei cuja própria ementa já caducou. Basta dizer que mais de 100 atividades da cadeia produtiva de eventos sequer constam da Classificação Brasileira de Ocupações.

O contexto emergencial dessas categorias motivou, em todo o país, a mobilização de redes solidárias que se ampliaram para uma organização da coletividade em prol de direitos trabalhistas e de dignidade profissional, o que nos levou a reunir trabalhadores, coletivos, lideranças, pensadores, pesquisadores e parlamentares no Fórum Nacional de Trabalhadores em Eventos (FNTE), com fomento da Secretaria de Turismo do Distrito Federal, com os objetivos de alinhar as diversas experiências de organização que se desenvolvem em todo país e de colher e sistematizar diretrizes, reivindicações e encaminhamentos de modo a orientar as nossas ações e a articulação com os Poderes da União, Estados e Municípios.

O FNTE impulsiona um ciclo de lutas em muitas frentes, que exigirá organização para uma interlocução propositiva e firme no sentido do reconhecimento dos profissionais e da regulamentação das atividades, além de regulamentação específica para a realização de eventos, no que se refere às condições de trabalho, protocolos de segurança e saúde, garantias e formalização das atividades e de seu exercício, seja reforçando o cumprimento da legislação vigente ou em atualizações que deem conta de suas lacunas e omissões.

Desse modo, o FNTE se transforma na Articulação Nacional de Trabalhadores em Eventos, composta pelas entidades participantes, com uma coordenação formada por duas pessoas representantes de cada estado, sendo ao menos uma delas da sociedade civil, a fim de implementar ações, encaminhar e acompanhar as diretrizes, propostas e reivindicações definidas no Fórum de Brasília, bem como o planejamento e organização do segundo FNTE, em 2023, e assim sucessivamente.

A partir desta carta aberta, o lema “nada sobre nós sem nós” sintetiza nosso propósito, uma vez que as reivindicações e diretrizes aqui sistematizadas são fruto de amplo debate com pessoas de diferentes atividades do backstage, de todas as regiões brasileiras e de distintas realidades econômicas, e, justamente por isso, se apresentam como expressão de nossas vozes em legítimas aspirações da categoria.

1.  Regulamentação das atividades profissionais dos trabalhadores em eventos:

1.1.       Criação de Articulação Nacional, cujo objetivo é nacionalizar a organização dos trabalhadores desse setor, trocar experiências e lutas comuns. A articulação será ampla, aberta a adesões, em qualquer tempo, de organizações representativas dos trabalhadores do setor, de setoriais e entidades de assessorias.

1.1.1.  A Articulação terá uma coordenação composta por duas entidades por estado, sendo necessariamente uma representativa dos trabalhadores, podendo a segunda ser uma entidade de assessoria;

1.1.2.  Essa coordenação terá um mandato de 1 ano e será responsável pela organização do próximo Fórum, que passa a ocorrer anualmente.

1.2.     Fortalecimento de nossa organização, com representação nacional e organização de ações junto ao Congresso Nacional, para que a regulamentação de nossas profissões avance junto com a necessária garantia de direitos;

1.3.     Inclusão das Artes Técnicas no Sistema Nacional de Cultura com vistas à construção de uma política nacional de formação, qualificação, certificação e valorização dos saberes e fazeres técnicos da Economia Criativa;

1.4.      Criação de uma legislação nacional específica abrangendo a cadeia produtiva dos eventos.

1.4.1.  Revisão da lei específica da categoria, n°6.533/78, com vistas a atualizar o quadro de funções em que se desdobram as atividades profissionais, preservando e ampliando os direitos nela contidos.

1.4.2.   Exigência de fiscalização para o cumprimento da lei específica da categoria, n° 6.533/78, pondo em prática seus atuais ditames, tais quais: jornada de trabalho reduzida, contrato de trabalho, remuneração por acúmulo de função, remuneração por horas extras, dentre outras regras nela estabelecidas.

1.4.3.   Criação de uma lei que regulamente o estágio (eventual) para trabalhadores em eventos;

 1.5.     Criação de piso salarial nacional para os trabalhadores em eventos

1.5.1. Criação de seguro para trabalhadores de eventos em caso de interdição das atividades pelo Poder Público, a exemplo do seguro defeso, pensado para os pescadores;

1.6.     Luta por políticas de auxílio e formação, por meio de bolsas de estudo, nos moldes do antigo Pronatec;

1.6.1.   Realização de ações de formação voltadas ao desenvolvimento profissional, bem como proposição de articulações entre a educação formal, o saber adquirido na prática e a regulamentação das profissões;

1.6.2.  Formação de parcerias com instituições de ensino para a criação de cursos técnicos e tecnológicos para qualificação da cadeia produtiva técnica de eventos;

1.6.3.  Qualificação de corpo docente para cursos de formação voltados à cadeia produtiva técnica de eventos e busca por formas de reconhecimento via notório saber;

1.6.4.  Criação de Pontos de Cultura e/ou Caravanas Culturais que atuem na formação dos profissionais da técnica, descentralizando o acesso, atualmente concentrado nos grandes centros urbanos.

1.7. Busca, a partir do estudo das profissões, por uma regulamentação que crie mecanismos de proteção para os trabalhadores, combatendo a informalidade, exigindo contratos adequados, que incorporem direitos e proteções, combatendo a “pejotização” como forma de precarização.

1.8.      Estabelecimento de mecanismos legais para garantir legislação específica e direitos para o trabalho eventual.

1.9.     Lançamento de editais específicos e desburocratizados para os trabalhadores técnicos em eventos, nos moldes dos editais voltados à cultura popular.

1.9.1.   Oferecimento de cursos de elaboração de projetos voltados para estes e estas profissionais;

1.10.     Instituição de prêmios voltados à valorização dos saberes e fazeres dos trabalhadores técnicos em eventos;

1.11.     Articulação para o reordenamento dos sindicatos e meios legais de intervenção, com mediação do Ministério Público, de modo a garantir que as entidades representem efetivamente os interesses da categoria;

1.12.       Promulgação do Dia Nacional dos Trabalhadores em Eventos, como marco de valorização;

1.13.       Exigência de condições adequadas de segurança e trabalho para as equipes de eventos, com efetiva fiscalização, incluindo a garantia de EPIs adequados, cursos de NR e CIPA, alimentação, jornada conforme a legislação, garantia de transporte, obrigatoriedade do fornecimento de água e banheiro para todos os trabalhadores durante todo o ciclo de produção dos eventos;

1.14.       Indução e impulsionamento de boas práticas de realizadores e contratantes de eventos, sejam elas ecológicas, sociais ou humanas;

1.15. Criação de linhas de crédito e microcrédito para os trabalhadores técnicos em eventos;

1.16.      Inclusão na modalidade MEI de todas as categorias técnicas mapeadas na cadeia produtiva de eventos e atualização (aumento) do teto anual, considerando as vulnerabilidades e particularidades da profissão e dos profissionais que trabalham na área;

2.  Lei Aldir Blanc, Paulo Gustavo e Naná:

2.1.     Apoio à proposta da Lei Naná, que reconhece mestres e aprendizes e torna patrimônio imaterial os fazeres técnicos. A proposta também obriga a inclusão dos técnicos nas leis de fomento cultural;

2.2.      Ampliação da mobilização para que a regulamentação das Leis voltadas à cultura garanta que o recurso seja acessado pelos profissionais técnicos em eventos;

2.3.     Articulação nacional para a divulgação dos mecanismos da Lei Paulo Gustavo que se voltam aos trabalhadores do bastidor e das obrigações dos estados e municípios em contemplar esses trabalhadores. Divulgação de notas técnicas da Câmara Federal e do Senado. Obrigatoriedade de busca ativa de técnicos;

2.4.     Promoção de ações de formação para a cidadania, buscando ampliar a representação dos profissionais técnicos em eventos nos legislativos, garantindo a defesa dos interesses do setor.

3.  Mapeamento e Indicadores dos trabalhadores em Eventos:

3.1.    Realização de Censo das atividades técnicas em eventos;

3.2. Realização de Estudo Legislativo sobre as funções dos profissionais do bastidor, incorporando novas e eliminando as obsoletas, visando à alteração e atualização da Lei 6.533/78;

3.3.  Definição das profissões que compõem a categoria, quais devem ser extintas, quais devem ser incorporadas, como essa realidade de classificação se dá nos estados em função das realidades regionais (econômicas e sociais) para, em seguida, buscar as subclassificações, evitando sobreposição de funções;

3.4.      Levantamento, junto aos órgãos de pesquisa, do mapeamento e de indicadores que subsidiem as reivindicações da categoria;

3.5.     Formulação de definições que impliquem registro profissional com funções definidas e delimitadas, evitando que o contratante pratique o acúmulo de funções sem a devida remuneração;

3.6.     Inclusão na pesquisa do recorte de gênero (e identidade de gênero), raça e deficiências (seja ela decorrente, ou não, do exercício da profissão);

3.7.       Aprofundamento das condições de trabalho, condições de saúde física e mental, condições físicas e ambientais dos locais de trabalho, salubridade e periculosidade com vistas ao direito à aposentadoria especial por periculosidade e insalubridade;

3.8.     Busca para garantir a representação efetiva dos trabalhadores técnicos de eventos nas propostas de mapeamento e censo;

3.9.       Criação de processo continuado de diálogo entre entidades representativas dos trabalhadores, universidades, órgãos de pesquisa, gestores e o poder legislativo para a realização de pesquisa para o levantamento de dados e indicadores sobre o setor e seus profissionais, com vistas à elaboração de leis e políticas públicas que promovam o seu desenvolvimento.

Participaram do Fórum Nacional de Trabalhadores em Eventos as seguintes entidades:

1.       ABRAFIM – Associação Brasileira de Festivais Independentes

2.       Associação das Trabalhadoras e trabalhadores do DF e RIDE – Associação Backstage Brasília

3.       ACESSO – Associação cultural de Estudos Sociais e Sustentabilidade Organizada – DF

4.       Associação Grafias da Cena

5.       Coletivo Multicabo – MG

6.       COLPEPE (PE) – Coletivo dos Profissionais de Eventos de Pernambuco

7.       Escola SP de Teatro

8.       Família Camisa Preta – PR

9.       Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto

10.   Fórum Técnica RJ

11.   IATEC – Instituto de Artes e Técnicas em Comunicação

12.   Instituto Transforma – DF

13.   Manifesto da Graxa – SP

14.   Mulheres do Áudio

15.   Mulheres na Luz

16.   MULHERES NA TÉCNICA – PA

17.   Reverbera – Plataforma de Mulheres na Arte

18.   SATED-SP

19.   SATED-Paraná

20.   Sindicato dos Roadies – BA

21.   SIDCINE (SP-RS-MT-MS-GO-TO-DF)

22.   SINRADTV-RJ

23.   SOS Técnica SP

24.   teia br

Fórum Nacional dos Trabalhadores em Eventos

15 de março de 2022


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