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De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os incêndios no Cerrado têm aumentado nos últimos anos, impulsionados tanto pelas condições climáticas quanto por ações humanas. Essa combinação de fatores coloca a região em uma situação de vulnerabilidade extrema.

Nos últimos dias, o Distrito Federal tem sido fortemente impactado por queimadas que destruíram áreas de preservação e colocaram em risco a biodiversidade local. Um dos focos mais preocupantes ocorreu no Parque Nacional de Brasília, Água Mineral, uma das principais áreas verdes da região. O fogo consumiu parte da vegetação, afetando a fauna e a flora nativa, além de comprometer a qualidade do ar em diversas áreas do DF.

O incêndio, combatido por equipes do Corpo de Bombeiros, guarda-parques e voluntários, foi intensificado pela baixa umidade, pelo clima seco característico dessa época do ano e pela lentidão do governo distrital em agir. Especialistas indicam que uma parte significativa dessas queimadas são de origem criminosa.

A concentração de terras no Brasil e a forte influência de ruralistas no Congresso Nacional estão diretamente conectadas à história de formação do país e às estruturas de poder que surgiram a partir daí. O estado é burguês e deles, mas, na prática de forma geral, como esses fatores se relacionam?

História da concentração fundiária

A concentração de terras no Brasil remonta ao período colonial, quando a Coroa Portuguesa introduziu o sistema de capitanias hereditárias em 1534. Grandes extensões de terras foram concedidas a nobres portugueses, criando uma elite agrária desde o início da colonização. Esse sistema estabeleceu as bases para a formação de latifúndios, grandes propriedades rurais que continuaram a dominar a paisagem agrária brasileira ao longo dos séculos.

Mesmo após a abolição do regime de capitanias e a proclamação da República, a distribuição de terras continuou altamente concentrada. As elites agrárias mantiveram o controle sobre vastas áreas rurais, e as políticas de reforma agrária raramente conseguiram alterar essa estrutura de poder de forma significativa.

Avanço do agronegócio e concentração de terras

Nos últimos 50 anos, o agronegócio se expandiu de forma considerável no Brasil, impulsionado por políticas de incentivo, tecnologia e investimentos estrangeiros. Grandes fazendeiros e empresas agrícolas se beneficiaram de políticas que favoreciam a exportação de commodities como soja, milho e carne, reforçando a concentração de terras. Muitas dessas propriedades são verdadeiros impérios rurais, com algumas famílias controlando dezenas de milhares de hectares.

Além disso, a grilagem de terras — a apropriação ilegal de terras públicas — contribuiu para a concentração fundiária. Latifundiários e especuladores de terras frequentemente se apoderam de terras devolutas ou protegidas, como florestas e áreas indígenas, legalizando posteriormente suas posses por meio de mecanismos políticos e jurídicos favoráveis.

Bancada ruralista no Congresso Nacional – a política é eles

Congresso Nacional brasileiro é notoriamente influenciado pela bancada ruralista, um grupo de parlamentares que representa os interesses do agronegócio. Este grupo inclui grandes fazendeiros, empresários do setor agrícola e políticos que têm fortes laços com o setor. Estima-se que a bancada ruralista tenha cerca de 40% a 50% das cadeiras no Congresso, o que lhes dá uma grande capacidade de moldar políticas públicas a seu favor.

A influência da bancada ruralista se reflete em legislações que favorecem o setor, como o enfraquecimento de leis ambientais, flexibilização das normas para a exploração de terras indígenas, e a promoção de projetos como o Marco Temporal. Eles também têm forte poder para bloquear iniciativas de reforma agrária ou qualquer tipo de redistribuição de terras. Além do mais, no Plano Safra 2024/2025 para agricultura e agropecuária, os grandes produtores recebem maior aporte financeiro, são mais de R$ 400 bilhões, contra apenas R$ 79 bilhões recebidos pela agricultura familiar, que é a mais voltada a agroecologia.

Poder político e econômico do agronegócio

A aliança entre grandes proprietários de terras e o poder político fortaleceu a posição do agronegócio no Brasil. O setor é um dos maiores contribuintes para a economia nacional, sendo responsável por grande parte das exportações do país. Isso dá aos ruralistas uma força econômica significativa, o que, por sua vez, aumenta sua influência política e o grande aporte financeiro que recebem. O lobby ruralista é enorme.

A interação entre economia e política no Brasil cria um ciclo vicioso. Grandes proprietários de terras e empresas agrícolas financiam campanhas políticas, garantindo a eleição de candidatos que defendem seus interesses. Em troca, esses políticos promovem leis que protegem o status quo e aumentam ainda mais a concentração de terras e o poder do agronegócio.

Consequências sociais e ambientais

Essa concentração de poder e terras tem consequências profundas. A desigualdade fundiária no Brasil é uma das mais extremas do mundo. De acordo com o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, 1% das propriedades rurais ocupam quase metade de toda a área destinada à agricultura. Isso deixa a maioria dos pequenos agricultores e comunidades tradicionais com pouquíssimo acesso à terra.

Além disso, o poder da bancada ruralista contribui para o desmonte de políticas ambientais. As queimadas e o desmatamento são incentivados pela falta de fiscalização adequada e pela promoção de leis que permitem a expansão agrícola sobre áreas protegidas, resultando em danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas.

A concentração de terras no Brasil é uma herança colonial perpetuada por uma elite rural que mantém seu poder econômico e político por meio de alianças com o agronegócio e com uma bancada ruralista forte no Congresso Nacional. Esse controle sobre as terras e as políticas públicas reflete-se em práticas como grilagem, expansão de fronteiras agrícolas, e queimadas criminosas, que impactam diretamente o meio ambiente e aprofundam as desigualdades sociais e econômicas.

Ações criminosas coordenadas

Queimadas criminosas, como as que ocorreram recentemente no Brasil, incluindo no Distrito Federal, podem ser uma estratégia usada por setores do agronegócio para diversos fins econômicos. Apesar de depender de condições ambientais favoráveis para a produção, alguns grupos veem nas queimadas uma maneira de obter vantagens de curto prazo.

Aqui estão alguns dos principais motivos que explicam por que o agronegócio pode se beneficiar dessas ações: 1. Redução de Custos com Desmatamento, 2. Aumento do Valor da Terra, 3. Manipulação de Preços no Mercado, 4. Expansão Irregular em Áreas Protegidas, 5. Fuga da Fiscalização e 6. Especulação e Pressão Política.

Algumas áreas do DF, especialmente em regiões periurbanas ou próximas a áreas de preservação, são alvo de especulação imobiliária. Incêndios criminosos podem ser provocados intencionalmente para “limpar” o terreno, facilitando a ocupação irregular e posterior valorização da terra, especialmente em áreas que estão em processo de expansão urbana.

Queimadas em áreas protegidas enfraquecem a vegetação nativa e significam perdas irreparáveis para a biodiversidade. Áreas de conservação, como o Parque Nacional de Brasília (Água Mineral), sofrem pressão de grupos com interesses econômicos, que podem provocar incêndios para facilitar a ocupação ilegal ou mudar a destinação de uso do solo.

Medidas de prevenção e o papel dos governos

A prevenção de futuras queimadas requer ação coordenada entre os governos federal e distrital. O governo do Distrito Federal tem implementado políticas de monitoramento com o uso de drones e satélites para identificar focos de incêndio em tempo real. No entanto, especialistas afirmam que essas medidas precisam ser reforçadas por ações preventivas, como a conscientização da população e a punição rigorosa de crimes ambientais.

O governo federal, por sua vez, deve fortalecer órgãos ambientais, como o Ibama e o ICMBio, que foram fortemente desmontados no governo anterior e somente agora voltam a trabalhar com algum esforço em prol do meio ambiente.

Cooperação e conscientização

A cooperação entre os níveis de governo e a sociedade civil também é crucial. A conscientização da população sobre os riscos e danos das queimadas é uma das chaves para a redução desse problema. Campanhas educativas podem alertar sobre as consequências das queimadas ilegais e incentivar a denúncia de atividades suspeitas.

Além disso, a criação de brigadas comunitárias de combate a incêndios, treinadas para atuar em áreas rurais e próximas a unidades de conservação, é uma medida que pode ser incentivada pelo governo distrital em parceria com o federal. Essas brigadas podem atuar rapidamente em focos de incêndio, antes que eles se alastrem.

Medidas de prevenção

Para evitar essas queimadas criminosas, as ações de fiscalização e educação ambiental são essenciais. Os governos precisam trabalhar em conjunto para:

Aprimorar a fiscalização nas áreas de risco, com o uso de tecnologias como drones e monitoramento por satélite.

Aplicar penas rigorosas para crimes ambientais, como a grilagem e queimadas ilegais

Acabar com latifúndios, para diminuição de acumulo de riquezas e desigualdades.

Conscientizar a população rural e urbana sobre os riscos e impactos das queimadas, promovendo alternativas sustentáveis para o manejo da terra.

Desapropriar terras de pessoas que cometem crimes ambientais.

Incentivar o uso de técnicas agrícolas sustentáveis, que não dependam do uso do fogo, como o plantio direto e a rotação de culturas.

Fortalecer brigadas voluntárias para atuar no combate inicial ao fogo, antes que ele se alastre.


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