Neste ano, pela primeira vez, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, como feriado nacional. Esse marco histórico reconhece a imensa contribuição dos povos negros para a construção cultural, social, econômica e intelectual do país, bem como a necessidade de combater o racismo e honrar a pluralidade que forma o país.
A diáspora africana moldou profundamente o Brasil. Da culinária, com pratos como feijoada, acarajé e vatapá, à música, com gêneros como samba, maracatu, lundu e funk, e ao idioma com as línguas africanas influenciando o português brasileiro em vários aspectos, como na morfologia, sintaxe, fonologia e pronúncia de palavras e de expressões como “quilombo”, “cafuné” e “quitanda”, as heranças estão enraizadas profundamente em nossa identidade.
Além disso, as influências permeiam todos os campos, como a literatura, as artes, a ciência e o pensamento crítico. Mas é necessário frisar que, para além da tremenda relevância histórica de Zumbi, um dos líderes do Quilombo de Palmares, morto há exatos 329 anos por bandeirantes e representante da data da consciência negra, outros negros e negras brasileiros fizeram a fazem história e precisam também ser lembrados cotidianamente. Só para citar alguns:
Na literatura, Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores escritores da língua portuguesa, trouxe ao mundo obras como Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, que capturam de forma magistral os conflitos e contradições do Brasil. Lima Barreto, autor de Clara dos Anjos, foi uma voz crítica ao racismo e às desigualdades de sua época, trazendo um retrato contundente da sociedade brasileira. Já Maria Firmina dos Reis, pioneira da literatura afro-brasileira, escreveu Úrsula, considerado o primeiro romance abolicionista do Brasil, abordando o tema da escravidão com sensibilidade e coragem.
Outros grandes nomes como Conceição Evaristo, autora de Olhos d’Água e Ponciá Vicêncio, continuam a dar voz às vivências e resistências do povo negro, especialmente das mulheres. Abdias do Nascimento, um gigante da política, do teatro e das artes, produziu obras como Sortilégio, destacando a herança africana e a luta pela identidade negra.
Na filosofia e nos estudos de gênero e raça, Sueli Carneiro, com o livro Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil, oferece reflexões poderosas sobre as interseções que moldam as desigualdades no país.
No campo da ciência e do pensamento crítico, destaca-se Milton Santos, um dos maiores geógrafos do mundo. Em obras como Por Uma Outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal, ele desafiou o status quo, oferecendo uma visão crítica das relações entre o local e o global e propondo uma globalização mais justa e inclusiva.
A celebração do Dia da Consciência Negra como feriado nacional é um passo importante para reconhecer a contribuição histórica da diáspora africana no Brasil. Mais do que um dia de celebração, a data é um convite à reflexão sobre a necessidade de valorizar essas figuras e suas obras, que são parte essencial do patrimônio cultural, social e intelectual do país.
Honrar grandes nomes como Machado, Lima, Maria, Conceição, Abdias, Sueli, Milton e obviamente Zumbi, Dandara e tantos outros que são menos comentados é reafirmar o compromisso de construir um Brasil mais justo e igualitário. É reconhecer que, sem os povos negros, suas lutas e legados, o Brasil jamais seria o que é hoje.